AUTISMO
A HISTÓRIA DE LIBERDADE DE ÂNGELO E AUGUSTO E DE UMA MÃE de CORAGEM
A HISTÓRIA DE LIBERDADE DE ÂNGELO E AUGUSTO E DE UMA MÃE de CORAGEM
Nas
ideias meio desconexas, o desejo de dominar o céu como pilotos de avião. Nem é
sonho buscado ou meta planejada de vida. Ângelo e Augusto têm compulsão mesmo é
pela amizade, pelo contato com pessoas desconhecidas e potencialmente amigas.
Ângelo e
Augusto: sorriso constante
Sim, eles
parecem ser de outro mundo. Um mundo mais inocente, mais afetuosos, sem
violência ou casais falidos presos às tentações efêmeras dos papos do WhatsApp.
No Universo gigantesco desses irmãos gêmeos, cabem dois quarteirões pertos de
casa e possibilidades infinitas.
Alguns se
assustam com eles. Outros se incomodam. E eles nem ligam. Estão noutra vive,
mais útil ao mundo deles ou do nosso. É energia positiva ligada no automático.
E tentam esse contágio junto aos “amigos” que nunca viram, que encontram em
mesas de bares e de shoppings do seu mundo único.
Essa
semana, último dia 2, foi o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Obra do
acaso e foi também aniversário de 35 anos de Ângelo e Augusto. O tema
ainda é delicado e muito estudado. Hoje e amanhã, por exemplo, acontece no
hotel Holiday Inn, aqui em Natal, o Simpósio Dialogando com o Autismo.
Delicado
porque ainda resta preconceito e dificuldade de inserção social. “Estudado”
porque muitas descobertas para essa deficiência ainda são esperadas. Os casos
de Ângelo e Augusto servem de exemplo. Basta lerem essa postagem para conhecer
a história, eu diria heroica, de Luci Maia, a mãe deles.
A MÃE QUE FABRICOU UM MUNDO REAL
Dona Luci
já era mãe de três filhos quando os caçulas Ângelo e Augusto nasceram. A
experiência materna logo diagnosticou diferenças no desenvolvimento dos bebês.
Faltava interação, olhos nos olhos, as primeiras palavras. E desde cedo
procurou especialistas, mas na distante década de 80 o autismo ainda era
mistério.
Dona
Luci, lidou com a situação sem mais amparos. Tentou outros médicos em outros
Estados: Recife, São Paulo/SP, Doutores renomados vindo da Holanda, Cuba,
Espanha... E nenhuma resposta satisfatória. O autismo parecia vir da própria
medicina, ainda isolada do Tema.
Os
meninos cresciam dentro das suas redomas psíquicas. E antes fosse esse o
problema. Dona Luci sentia também da própria sociedade esse isolamento. Sem
abertura nas escolas para receber seus filhos, criou ela própria o Jardim
Escola Dois Amores – o nome não foi à toa. Seria apenas o primeiro passo para
inserir os gêmeos no mundo “real”.
O Jardim
foi adaptado até virar a Escola Educar e passou a atender crianças do 1º ao 4º
ano. Depois, evoluiu até o 9º ano para que Ângelo e Augusto desfrutassem de
ambiente escolar saudável. A Escola Educar, situada à Miguel Castro, fechou há
apenas dois anos após 24 anos de educação inclusiva, sem preconceitos. Cumpriu
seu papel. O espaço hoje é alugado e ainda mantém a sina sendo creche e escola.
A DESCOBERTA DO AUTISMO E DE
WILLIAMS
O
estereótipo da pessoa autista é a introspecção. O oposto do comportamento de
Ângelo e Augusto, viciados no contato social. Por volta dos quatro anos, o
olhar
focado em
sua própria consciência aflorou para uma vontade de ganhar e ver o mundo. E a
causa desse descompasso seria um mistério ainda mais nebuloso que o autismo
naquela época.
A
Síndrome de Williams, ou síndrome Williams-Beuren, era um buraco negro para a
medicina. Uma desordem genética rara cujo efeito incide no atraso psicomotor e
em algumas características físicas, como lábios cheios, dentes pequenos e
sorriso frequente. E influencia também no comportamento sociável e
comunicativo. Estava explicado. Mas um diagnóstico descoberto quase duas
décadas depois, quando os dois já tinham 20 anos de idade.
Ângelo e
Augusto têm sintomas de autismo e da síndrome de williams. Mas seus
comportamentos não advêm apenas do diagnóstico frio da ciência. Muito é
motivado pela educação materna. Dona Luci já tinha formação em pedagogia e
buscou especialização em psicopedagogia para auxiliar nos cuidados com os
filhos caçulas: “Busquei auxílio porque não recebia respostas da medicina para
o problema”.
E desse
conhecimento adquirido aliado à vontade de ver a felicidade dos filhos brotou a
independência dos gêmeos, até então limitados pelas agruras das doenças. Ambos
são vistos sozinhos em bares de um quadrilátero do bairro de Lagoa Nova.
Impossível eles passarem despercebidos. Frequentam cada mesa, buscam assunto,
opinam, elogiam e, sobretudo, sorriem. São amigáveis porque buscam amigos.
“Sou
criticada por alguns por deixarem eles sozinhos. Mas eles foram treinados desde
pequeno para isso. São obedientes, educados, só frequentam lugares dentro do
limite de dois quarteirões de casa e voltam sozinhos na hora estipulada”, se
orgulha a mãe de 68 anos.
HUMANOS, TRISTE E
DEMASIADAMENTE HUMANOS
Nem a
alma amiga e inocente de dois jovens inibe a sanha bárbara de alguns. Alguns
incidentes ainda remontam tristes lembranças para dona Luci. O pior deles
aconteceu na praia de Pirangi. Veranistas antigos, Ângelo e Augusto são muito
conhecidos e queridos na comunidade praiana. Circulam pela orla, pelos bares e
avenidas carnavalescas; têm muitos amigos em Pirangi.
“Mas
certa vez um acontecimento mexeu muito com a nossa família. Foi muito duro,
sabe? Na beira da praia tinha uma mulher com criança no braço, provavelmente
passando o dia. Augusto quis dar um abraço afetuoso ou tocou ela no braço.
Então o namorado ou marido da mãe desta criança, viu de longe o fato ocorrido,
correu tão rápido e chegando próximo ao meu filho Augusto, bateu muito nele.
Por sorte, como são muito conhecidos, uma senhora veranista, correu para
explicar a situação do meu filho Augusto.
Por outro
lado, esse acidente nos mostrou o quanto eles são queridos. Pirangi inteira
mostrou-nos solidariedade e também, quando nós chegamos em casa e ligamos o
nosso computador, recebemos milhares e milhares de mensagens de gente de toda
Natal, que soube do fato ocorrido”.
Dona Luci
explica que os dois, embora “treinados” para serem educados, comedidos, não
possuem noção da consequência dos seus atos, dos perigos e infortúnios da vida.
Não sabem analisar comportamentos ou prever consequências. Em resumo: eles são
treinados a lidar com pessoas e não com a insensatez.
Em outro
episódio, o pior foi abafado pelo bom senso. No Bar do Pedrão, em Lagoa Nova,
os gêmeos passavam constantemente em frente à transmissão do jogo de futebol na
TV. Um dos clientes, impaciente, quis também bater nos meninos, mas foi contido
pelos próprios frequentadores do bar e até o dono pôs este humano, demasiado
humano, para fora do estabelecimento.
LIBERDADE E RECONHECIMENTO
A liberdade
é íntima da felicidade. Para Ângelo e Augusto é sinônimo. E a independência dos
caçulas foi busca insistente de dona Luci até a alegria aflorar e ela própria,
encontrar uma sabedoria que a fez também uma pessoa melhor, alegre junto aos
filhos.
Se o inferno
são os outros ou os aforismos insistem também que de perto ninguém é normal,
Ângelo e Augusto parecem mesmo anormais. São bem diferentes com suas alegrias,
suas querências de contato amigo, suas liberdades dentro de seu universo de
dois quarteirões de um mundo irreal e mais ameno.
Dona Luci
se aposentou da escola e continua a serviço dos filhos, sobretudo dos caçulas.
A preocupação persiste. Mas qual mãe descansa? Mais importante é que há uma
sensação de dever cumprido a cada sorriso dos gêmeos. E os sorrisos são
constantes – doses homeopáticas de gratidão estampadas nos rostos dos dois, a
toda hora.
E após 35
anos de dedicação, a mãe coruja conseguiu algo tão raro quanto a síndrome
diagnosticada tardiamente em Ângelo e Augusto. Dona Luci conseguiu dois filhos
felizes num mundo em crescente depressão. Filhos alegres em meio ao estresse do
cotidiano. Filhos livres na eterna prisão das ruas.
Esse post
será publicado hoje, na semana dedicada ao autismo. Mas bem poderia demorar um
pouquinho e ser postado no dia das mães.
Parabéns,
dona Luci!
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